Hoje é frequente utilizar o smartphone para captar, por exemplo, um pôr do sol ou um prato apetitoso que acabou de chegar à mesa do restaurante. É natural que queiramos documentar as nossas vidas de maneira a manter as nossas lembranças acesas. Mas perante o uso generalizado de smartphones com câmaras fotográficas e outros aparelhos será que deveria haver um limite recomendado? Será de alguma forma prejudicial?
Uma investigação recente realizada pela psicóloga Linda Henkel, da Universidade Fairfield, nos Estados Unidos, indica que tirar fotos pode de facto prejudicar a capacidade de lembrar detalhes de um acontecimento, apesar – e por causa do – esforço de fotografar sem parar.
Durante a investigação, estudantes realizaram uma visita guiada a um museu e incumbidos de fotografar certas obras de arte – enquanto outras deveriam ser apenas observadas.
No dia seguinte, quando testados, eles recordavam-se de menos detalhes dos objetos que tinham fotografado. É o que Henkel chama de “efeito prejudicial de tirar fotos”.
‘Drive externo’
Para alguns psicólogos, a câmara passou a ser encarada como um ‘drive externo’ das nossas memórias
“Estamos a utilizar a câmara como uma espécie de drive externo da nossa memória”, afirma a psicóloga. “Temos a expectativa de que o aparelho vai recordar-se de coisas por nós e que assim não precisamos continuar a processar aquele objeto. Por isso não interagimos nem nos envolvemos com as coisas que nos ajudariam a lembrar dele.”
Henkel reconhece, no entanto, que enquanto podemos atrapalhar a nossa memória a curto prazo, ter posse dessas fotos pode-nos ajudar a lembrar de eventos no futuro.
Mais interessante ainda é o fato de que o prejuízo para a memória diminuiu quando os estudantes tiveram que dar um zoom em algum aspeto particular do objeto. Isso sugere que o esforço e a concentração envolvidos na tarefa ajuda o processamento da memória. Ou ainda que temos uma tendência maior a exteriorizar a nossa memória quando a câmara capta uma cena mais ampla.
“Isso faz sentido porque investigações científicas mostram que a dispersão da atenção é o maior inimigo da memória”, diz Henkel.
Ferramenta de comunicação
Fotografias fazem parte da nossa rotina há séculos e praticamente todas as casas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos já tinham câmaras décadas atrás. Mas a mudança do filme para a fotografia digital também alterou a nossa motivação para tirar fotos e a maneira de usá-las.
Outros estudos confirmaram o que muitos de nós já suspeitávamos: que o papel fundamental da fotografia deixou de ser a comemoração de eventos especiais ou de momentos em família para ser uma maneira de nos comunicarmos com amigos, formar a nossa própria identidade e alavancar as relações sociais.
Enquanto adultos mais velhos usam câmaras como ferramentas para a memória, as gerações mais jovens vêem as fotos como um meio de comunicação.
“Muitas vezes as pessoas tiram fotos não para que elas sirvam como uma lembrança, mas para dizer como estão se sentindo no ‘aqui e agora’”, afirma Henkel.
Lembrança seletiva
Câmaras digitais podem não ser a única coisa que mudou a nossa relação com a fotografia. Devido às redes sociais, também transformamos a maneira como nos recordamos das experiências vividas.
” A nossa memória é reconstrutiva. É possível que estejamos reconstruindo as nossas memórias para alinhá-las mais com as fotos que tiramos, ou com as fotos que os outros tiram e nos mostram”, diz Kimberly Wade, professora de psicologia da Universidade de Warwick, que estuda falsas lembranças.
“Se alguém nos mostra uma foto que não tiramos de um evento onde estivemos, então torna-se a nossa lembrança”, explica.
Recordar situações de um ponto de vista externo pode ter as suas desvantagens. Investigações mostram que quando nos recordamos de algo a partir da perspetiva de outra pessoa, tem menos ligação emocional com a lembrança.
Da mesma maneira, apesar de fazermos uma organização das nossas memórias ao editar as fotos que tiramos, isso não é algo negativo.
“Muitos especialistas em falsas lembranças diriam que a imprecisão é uma coisa positiva, por vários motivos”, diz Wade. “Se você, por exemplo, muda a sua posição política pode voltar atrás e pensar que antes tinha ideias mais parecidas com as que tem hoje. Queremos acreditar que somos seres estáveis. Lembramos dos nossos relacionamentos e de nós mesmos numa luz mais favorável, mais parecida com o que queremos ser. Alguma distorção é positiva para o nosso bem-estar.”
Então, com que frequência devemos tirar fotos? A menos que estamos a falar de alguém profissional da área, Henkel sugere limitar a quantidade de cliques e ser mais seletivo, para ter mais benefícios e menos prejuízos.
“Se você está de férias num lugar bonito, tire algumas fotos, guarde a câmara e aproveite”, diz. “Depois, dê uma boa olhada nas imagens, organize-as, imprima-as e pode mostra-las a outras pessoas ao vivo. São práticas como estas que ajudam a mantermos a nossa memória viva.”
Referência: BBC
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