Num ano condicionado por esta pandemia que nos assola, e em que muitas famílias irão estar separadas e algumas tradições natalícias sofrerão várias adversidades, existem também algumas certezas que mantêm o espírito de Natal presente na mesa dos Portugueses. Refiro-me ao bacalhau de Natal, um dos maiores emblemas das tradições natalícias portuguesas.
A história do bacalhau de Natal
Não é de todo invulgar ouvir dizer, em conversas de amigos, que um Natal sem bacalhau não é Natal, principalmente no norte do País. Para percebermos melhor esta tradição vamos falar um pouco de história e teremos de iniciar esta viagem com outro prato natalício, o peru.
Segundo a historiadora Maria José Azevedo Costa, coordenadora do mestrado de Alimentação, Fontes, Cultura e Sociedade da Faculdade de Coimbra, o peru “é, sem dúvida, a tradição de Natal mais antiga da consoada como a concebemos.”
Esta é uma tradição que, segundo os historiadores, terá começado no século XVI, altura em que esta ave exótica das Américas chegou a Portugal pelas mãos dos Castelhanos na época dos descobrimentos. Esta ave conseguiu impor-se por, na altura, explica a historiadora, ser vista pela nobreza como um “sinal de poder” e “de ostentação”, passando a usá-la em todo o tipo de banquetes e festas, incluindo o Natal.
“Inicialmente era a refeição festiva do clero, da nobreza e da alta burguesia por ser uma ave de grande aparato. A tradição foi-se mantendo e alargando”, diz José Pedro Lima Reis, autor do livro Algumas Notas para a História da Alimentação em Portugal. E continua: “O peru entrou na consoada através da mesa dos ricos.”
Ceia de Natal: Bacalhau ou Perú?
Como surgiu o bacalhau na mesa dos portugueses?
Como nos diz Virgílio Nogueiro Gomes, um dos principais historiadores da alimentação do país, “naqueles tempos o peru só era consumido depois da Missa do Galo”. Os hábitos alimentares eram bastante condicionados pelas rígidas regras da igreja.
Ou seja, “Nessa altura, além da Quaresma, a Igreja impunha jejum de carnes nos dias antes do Natal, o que só acabava depois da missa, à meia-noite.”
Foi assim, com a necessidade de respeitar as regras da igreja, que o bacalhau ganhou peso na consoada pois as pessoas jantavam o bacalhau antes da missa do Galo e depois desta comiam o peru e os doces.
A razão de se usar o bacalhau seco salgado
Para além disso, como o Natal se celebra no Inverno, altura em que é mais difícil, por causa das condições climatéricas, apanhar peixe fresco, o bacalhau era um peixe mais vantajoso pois a capacidade de conservação (seca do bacalhau) facilitava a chegada do produto em boas condições e também era mais acessível a uma população pobre.
Pensa-se também que a tradição terá começado no Minho pois o bacalhau chegava aí primeiro, vindo dos mares do Norte. Ao mesmo tempo, o sul do País como era menos religioso não tinha a questão do jejum tão enraizada.
Uma curiosidade:
Se agora a utilização do bacalhau se generalizou na gastronomia portuguesa e é visto como um prato requintado, no passado, era um peixe apenas consumido pelos mais pobres dado que os mais ricos tinham forma de “fintar” o jejum imposto pela igreja e tinham capacidade financeira para consumir peixes “mais finos” alegando que não conseguiam suportar o cheiro de bacalhau salgado seco!
Vantagem nutricional do bacalhau cozido
Manda a tradição que o bacalhau de Natal se coma cozido. O que é uma vantagem do ponto de vista nutricional pois não se está a acrescentar calorias a um alimento naturalmente magro.
Mas, se os acompanhamentos diferem de região para região, há um ingrediente comum a todas que é o azeite, uma gordura muito saudável quase imprescindível para acompanhar um alimento tão “seco”.
Esta característica nutricional do bacalhau é uma vantagem para quem está a ter cuidados na gestão do peso corporal, pois ao contrário do que muita gente julga o bacalhau não engorda pois ao olharmos para os valores nutricionais do bacalhau podemos ver que tem um valor energético muito baixo fruto de uma percentagem residual de gordura. De acordo com a tabela da composição dos alimentos portugueses:
100g de bacalhau seco e salgado, demolhado e cozido = 0,1g de gordura
O problema, a existir, encontra-se nos eventuais acompanhamentos, o método de confecção e a quantidade de gordura utilizada.
Portanto, se se respeitar a tradição de Natal e se optar por cozer o bacalhau, acompanhar com muita couve e alguma batata e não se exagerar no azeite, não há perigo de estragar a dieta.
Como escolher o bacalhau
Para aproveitar melhor as qualidades deste peixe compre um bacalhau bem seco, pois se estiver mole não demolha tão bem. Para se certificar que está a comprar corretamente, segure na horizontal pelo local onde esteve a cabeça e ateste que o rabo não descai.
Se preferir comprar congelado, certifique-se que a embalagem não está rasgada e que não apresenta gelo solto (sinal de que houve variações indesejadas de temperatura).
Tenha também atenção ao preço do bacalhau congelado pois, por ter sido demolhado, o peso aumenta cerca de 25%.
Como demolhar e cozer o bacalhau
Para demolhar o bacalhau seco convém mergulhá-lo em água fria, preferencialmente com a pele para cima para que o sal caia no fundo do recipiente e não fique preso à pele.
Deixe de molho no frigorífico durante 24 a 36 horas (dependendo da grossura do bacalhau) renovando a água várias vezes por dia. Se não for possível demolhar no frigorífico, procure juntar gelo sempre que muda a água.
Quanto à forma de cozer o bacalhau, o truque passa por não deixar a água de cozedura ferver. Cozinhar em lume brando é o propósito. Apesar de mais demorado irá compensar.
Já cheira a Natal!
Desejo-lhe umas Boas Festas.
Bruno Reis
Nutricionista Clinicas Bodyscience
Clínicas BodyScience
Especialistas em Nutrição e Medicina Estética
Discussion about this post